Formas de abordagens possíveis do "eu no mundo" nas minhas narrativas
O texto que se segue é uma resposta a alguns críticos que questionam o modo como trato meus personagens secundários e guio minhas narrativas. É provável que tais críticas negativas se deem devido a não compreensão de alguns elementos, portanto, uma resposta faz-se necessária, caso minha hipótese prove-se verdadeira.
O fato de que somos dragados cada vez mais rápido e cada vez mais fundo
para um mundo cada vez mais retraído num pequeno aqui e num curto agora.
Além, é claro,do fato de as pessoas estarem cada vez mais indiferentes
ao destino de seus próximos ou a qualquer senso de convívio,de comunidade
ou solidariedade. As pessoas vão se fechando num "nós" cada vez mais exclusivo,
tendendo a se restringir, no limite, a um "eu" conectado numa rede infinita
de circuitos virtuais.
- NIcolau Sevcenko
Aquilo
que escrevo é, na grande maioria das vezes, bastante introspectivo, o caminho
que minhas narrativas trilham levam para o interior. Independente de o narrador
estar na primeira ou terceira pessoa, os olhos do protagonista ou
protagonistas, seus “eu's no mundo”, são o fio condutor da narrativa, os personagens
secundários não são eles mesmos, o que descrevo é o modo como o protagonista os
vê.
Quem
são esses indivíduos, protagonistas em minhas histórias, mas irrelevantes em
uma maior escala de visão, inseridos em uma realidade sobre a qual não exercem
ou não podem exercer, sozinhos, qualquer influência transformadora? Essa é a
principal pergunta que move todas as minhas narrativas: Quem são essas pessoas?
Tudo na trama serve a esse propósito, tramas estas que situam-se sempre no
minúsculo universo pessoal da(s) personagem(ns) principal(ais), que, por sua
vez, está inserido em uma rede de outros universos pessoais, regidos de cima
para baixo. Essa mudança do macro para o micro é uma preocupação primordial em
minha escrita, pois são vitais na demonstração da insignificância ao qual o
ente é relegado.
Como
coloquei anteriormente, responder quem são os protagonistas é o principal
objetivo da narrativa, ela parte desta personagem e volta para ela, a esse foco
servem, principalmente, as personagens secundárias. Em minhas histórias existem
dois tipos de figuras secundárias, “o outro em si” e o “outro para si”.
Chamo-os de “o outro” por partir de um pressuposto de intersubjetividade sartreana,
onde o ser-para-si tem no outro um espelho, uma forma de se reconhecer no
mundo. “O outro em-si”, por sua vez, serve apenas ao corpo-mente-mundo do
protagonista, visando possibilitar a percepção de nuances na personalidade
deste, tal personagem secundário é, em suas funções narrativas, quase que um
objeto que “não pretende vir a ser”, tem aparição pontual e, como um martelo,
um objetivo bastante específico: aprofundar o “eu” tratado na história. O “outro
para-si” deseja ser, desenvolve-se, tem espaço próprio na trama, e suas
relações com o protagonista serve de espelho a ambos. Dependendo do modo como
eu decida guiar a obra, podem surgir apenas “outros em-si”, em outros momentos
podem aparecer ambos os tipos de “outros”.
Ambos
os tipos de personagens secundários, “o outro em-si” e o “outro para-si” tem
funções relevantes dentro dessa proposta de narrativa que ruma para dentro. O
outro em-si, por mais rápida e efêmera que seja sua aparição, é imprescindível
e jamais pode ser chamado de dispensável. O outro para-si, apesar de ter
desenvolvimento próprio, o faz por ser relevante no mesmo fim, pois se
desenvolve em sua intersubjetividade com o protagonista, poderia não se
desenvolver, o resultado seria o mesmo.
Mais
de um personagem podem figurar como protagonistas, dependendo da pretensão da
história. O personagem principal é um recorte, um mundo individual escolhido
para ser analisado. Posso muito bem escolher outros mundos, como bem entender,
as possibilidades são infinitas.
Voltando
ao assunto da mudança de escala. Essa é uma forma de abordar o “eu no mundo” do
protagonista. O indivíduo está imerso em estruturas maiores e mais antigas do
que ele, essas estruturas políticas, econômicas e sociais exercem influência e
criam poderosas tendências no andamento dos mundos particulares de cada um.
Assim sendo, em vários momentos começo capítulos partindo do macro para o
micro, de modo que essa diminuição da escala deixa evidente a impotência e o
engessamento dos diversos “eu's” dentro desta realidade concreta, que possui a
seu favor formas de coerção bastante complexas e multilaterais. Quais são essas
forças que criam a impotência do indivíduo e limitam a escolha? Essa resposta
está a critério da escritora em sua construção, eu, como comunista, tenho
minhas hipóteses. Porém, basicamente, a mudança de escala pode ser útil na
resposta a pergunta primordial nessa narrativa que trilha para dentro: Quem é o
indivíduo e por que? O contexto no qual está inserido deve ser levado em conta,
destrinchado.
Constatando
a impotência do “eu no mundo” na realidade concreta, a tragédia da falsa
liberdade, a ilusão do poder, opto por tomar uma postura de anticlímax. A história
caminha por um problema que promete um clímax, mas esse nunca chega, ou demora
demais. Personagens tão impotentes muitas vezes não encontram clímax possíveis,
podem apenas, gradativamente, ser esmagados até aceitarem suas condições. Logo,
há um final, mas nem sempre há um clímax. O indivíduo que caminha pelo
problema, percebendo sua pequenez, essa jornada para dentro de si, onde o
protagonista apenas se reconhece em seu lugar no mundo por ser incapaz de
vencer, esse é o assunto pelo qual me interesso. É disso que trato.
A
minha forma de escrita segue esse padrão já falado, usa a variação de escala
como forma de explicar a realidade do protagonista, a realidade é diminuída, em
um microscópio sociocultural, até chegar no universo pessoal do qual a história
trata. Quem é esse “eu” e por que é? “O outro”, os contextos conjunturais,
pessoas da narração, tudo serve a essa função: entender o protagonista em sua
pequenez, dentro da impotência a qual é condenado. A impotência é a minha
matéria prima. Aos meus protagonistas o fim é inevitável, aceitarão eles esta
inevitabilidade? A subjetividade destas figuras em sua relação com o fatalismo
permite uma imensa diversidade de possibilidades.
SUED
Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com
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