Em tempos de golpe, a importância de assistir "3%"

Estive acompanhando há uns dias a série 3% — primeira série completamente brasileira da Netflix — e, confesso, senti medo. Muito medo do que o futuro nos reserva. E não é a primeira vez que vejo isso na tela; em Elysium, filme de 2013 dirigido por Neill Blomkamp, passa-se mais ou menos a mesma história: a terra, um lugar absolutamente inóspito, virou o inferno que ninguém quereria sequer conhecer, os ricos criam um planeta (de nome que intitula o filme) e mantêm o resto da sociedade à fome e bala.
Em 3%, criam um país chamado Maralto — vulgo lado de lá, pros que vivem no lado abominável da terra —, e todos os jovens de vinte anos têm a grandiosíssima oportunidade de saírem deste inferno e irem pro lugar onde há tecnologia avançada, abundância em víveres e esbanjamento de qualquer coisa que falte do lado de cá. Mas apenas 3% dos jovens são selecionados pra se mudarem pro Maralto!
Acho bacana esse tipo de filme/livro/série que explicita o humano-animalesco, em sua pior situação e carregado dos seus piores sentimentos. Lembrei-me, além de Elysium, do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago — livro difícil de se ler, que corta a carne e a alma da gente! — e de Under the dome, de Stephen King. Nós, seres humanos, só esperamos uma oportunidade pra mostrarmos as presas venenosas da víbora que somos. O monstro interior, e, além disso, o monstro superior, que provoca a desordem em todo o restante da população.
A cegueira, meus caros-raros leitores, é branca, e vermelhos são os olhos raiados de veias de sono e ódio dos 97% da população que vivem em estado de calamidade. E nossas entranhas arregaçadas por esse sistema fudido que só quer nos fuder — um perfeito sanduíche de trouxas & trouxas humanos; sanduíche de pão-com-pão...
E você, cale agora ou fale pra sempre.



Vinícius Siman

Escritor, diretor, crítico de arte e militante dos direitos humanos. Tem nove livros publicados.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às sextas-feiras.
Contato: souzasiman@gmail.com

Comentários

  1. Boníssimo texto. Para ficar mais irrefutável seria bom colocar termos impessoais (da forma como se apresenta fica deliciosamente informal, um bom bate-papo; portanto perfeitamente válido, claro. De modo formal, fica mais sério, menos passível de crítica dos tolos por se apresentar mais científico; o que também é validíssimo).
    Ainda acho sem sentido usar o termo "foder" e seus derivados como se fosse algo ruim.
    Em outras palavras: nota náini pôinti náine...

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    Respostas
    1. Não quero distância nem dos que me amam nem dos que me apunhalam...

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