Uma Feliz Coincidência



Jorge era um homem pessimista, gordo desde a infância, passou por uma adolescência de rejeições e espancamentos, cresceu acreditando ser alguém de uma feiura aterradora, pela forma como as garotas olhavam para ele nos corredores da escola. Ficaram tão marcadas em sua mente as expressões de desprezo das figuras do sexo oposto, que nunca mais conseguiu ter uma ereção sem sentir vergonha.
Os anos passam e os pais morrem, é uma tendência em bairros de classe média e ricos, pois nas favelas pelo menos as mães tendem a ver seus filhos morrerem. Enfim, aconteceu com Jorge de seu pai falecer de velhice, fato que o deixou bastante triste, pois seu papai era a figura mais próxima, o apoiava em tudo e lhe fazia rir com piadas de mau gosto. O gordo Jorge passou todo o ritual fúnebre sentado e em choque, esboçando pouca reação, com a mesma expressão estática, sua mãe, por sua vez, pouco ligava e demonstrava, com notável frieza, alvo que vivia dizendo: “Amor? Não amo, depois de vinte e cinco anos você acostuma e só.”. Tampouco se importava com a tristeza do filho, que para ela era uma “banha de gordura virgem”. Jorge, o obeso solitário, estava só, e foi sozinho que seguiu o caixão até o cemitério.
Lá, em volta de uma cova aberta, um padre reza pela alma do defunto, pois é difícil para os seres humanos acreditar que o único fim possível é a putrefação. O caixão está suspenso sobre o buraco, por cordas e uma plataforma, serviço funerário de ponta. Jorge não se concentra no que diz o padre, apenas se mantém parado, cabisbaixo.
Uma corrente de ar bagunça o seu cabelo, o que leva Jorge a levantar a cabeça para arrumar sua pequena franja, essa atitude levou a uma mudança no seu ânimo, pois vê uma mulher, de macacão azul, com braços a mostra, encostada a uma pá. Imediatamente o rosto de Jorge se ilumina, ela o impressiona, é linda, tem cabelo curto encaracolado castanho, mas não é perfeita, tem grandes seios, mas não nádegas avantajadas, olhos claros, mas lábios poucos carnudos, tem aquela beleza incomum que possibilita uma admiração não endeusadora, causa empatia, não temor. Ele fica a olhar a mulher, coveira do cemitério, desviando o olhar sempre que ela olha de volta.
O adulto obeso foi para o velório choroso e voltou fascinado, a coveira não lhe sai da cabeça, claro que a memória de seu pai ainda lhe é presente, porém a surpresa mais recente despertou-lhe o libido por tanto tempo abafado. Todos os dias, a partir dali, ele foi ao cemitério, depois do trabalho, e, do carro, ficava a observar a coveira, sempre a desejar falar com ela, tal ideia, porém, nunca o levou as vidas do fato. O prazer de vê-la logo se transformou em um masoquismo doentio, o seu comum pessimismo volta a lhe dominar, tem a certeza de que ela o rejeitará e, assim sendo, não há porque tentar.
Jorge fica cada vez mais depressivo, não lhe sai da cabeça a coveira, assim como não ter mais o pai para lhe alegrar o deixa pesaroso. Está sozinho. Deixa, gradativamente, de ir vê-la de longe no cemitério, come cada vez mais, tentando tapar o buraco deixado pelo genitor que tanto amava.
Seu ódio por si mesmo o levou a suicidar-se da forma mais cruel possível, embora para os samurais do período Edo esse tipo de morte fosse bastante honrada. Acontece que Jorge, na cozinha, pegou uma faca afiada para cortar carne e não resistiu, cortou a sua própria. Os policiais, bombeiros, legistas e detetives encontraram um sujeito de barriga aberta, seu seu estômago emanava sangue, gordura e pedaços de alimentos.
***
O mesmo processo se deu, o mesmo ritual fúnebre chato ao qual se comparece por pena se repetiu. Jorge foi enterrado ao lado do pai, no mesmo cemitério, naturalmente. Todos os quatro convidados (Jorge era bem menos querido do que o pai) foram embora, o túmulo ficou,  corpo foi devidamente servido aos vermes.
Pela noite, porém, a terra ainda mole sobre a tumba é retirada, o caixão é aberto, pernas femininas pisam os espaços não ocupados pelo corpo ainda não tão inchado do defunto. Ela se abaixa, é a coveira! Aproxima o rosto dela do de Jorge morto e esverdeado, tira sua calça e calcinha, passando essa última na face do morto.
– Gosta disso, seu tarado? – Pergunta ela mordendo os lábios.
Dai ela tira um pênis de borracha de uma bolsa e insere-o em sua vagina, iniciando o vai e vem, colocando seu dedo indicador na boca do corpo sem vida.
– Eu vou gozar em cima de você, seu puto! – Exclama ela ofegante.
O orgasmo chega, ela geme baixo, tira o consolo de sua vagina molhada e o lambe, deixando seu hálito com aquele cheiro, dai passa a língua no rosto do morto.
Passado o momento do êxtase, ela fecha o caixão, que é mais uma vez tomado pela escuridão, isolado do “mundo dos vivos”. Que mórbida ironia, quem diria que o escolhido da semana para o prazer da coveira seria Jorge, aquele que por meses a desejou... Que feliz coincidência. Para ela isso é apenas uma compensação pelo baixo salário, ela não tem como conhecer todo o humor cáustico da situação.

SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com




Comentários

  1. Incrível! Amei a supresa e o desenvolvimento psicológico dos personagens e sua descrição!

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