As Perguntas que deveriam incomodar
Nesses
tempos de política que se afirma “pós-ideológica”, os protestos não são dotados
de propostas concretas, passam a ser manifestações formadas por indivíduos
incapazes de se perceberem em uma totalidade: “Para que serve nossa apregoada
liberdade de escolha quando a nossa única decisão possível deve se dar entre
obedecer as regras e uma violência (auto)destrutiva?” (Zizek, 2014, p. 70).
Exemplo
perfeito disso são as manifestações de 2013, onde o povo, massificado e em toda
a sua heterogeneidade saiu às ruas para manifestar indignação. E é isso,
manifestar indignação. Mas isentas de sentido? Será mesmo? A questão é simples?
Lutavam, talvez, por um meio de se constituírem enquanto “problema a ser
resolvido” de forma urgente, a violência dos black blocs lhes permitiu ser mais
que uma terceira página de jornal, mesmo que estes integrantes das
manifestações tenham sido usados para deslegitima-las de alguma forma ou,
também, como “minoria a ser desprezada”, como “bárbaros” que não devem ser
seguidos, de alguma forma os black blocs de 2013 serviram para que o governo
Dilma ditasse a moral dos protestos, o pacifismo deveria ser regra, a violência
não seria tolerada. Seria isso, em si, uma forma de violência, um contra ataque
realizado no campo da linguagem, porém vendido como não violência, como que “violentos
não somos nós, são eles”. Sem a dimensão disso, se deram os momentos que
apontaram para a “domesticação” das jornadas de junho, como o dia 21 de junho
de 2013, em que milhares de indivíduos se sentaram nas ruas para demonstrar que
“não são agressivos”, os meios de comunicação logo se aproveitaram disso,
vendendo a notícia como: “Manifestantes de Santos 'deduram' vândalos sentando
durante protesto” (Lopes, 2013). Embora essa fosse uma demonstração de que o
governo Dilma (E PT) estava começando a ser minado, nesse primeiro momento a
Globo contribuiu com o governo nessa jogada midiática. Percebam ai, então, o
erro: O pacifismo e a “negação da violência” aqui é PURAMENTE IDEOLÓGICA e, mais que isso, uma retaliação política.
Talvez
isso de lutarem se mostrando como “problema a ser resolvido” ou demonstrando
sua presença tenha sido feito inconscientemente, muito provavelmente o foi,
porém, há algo de novo no front; os protestos subentendem que não se pensam
mais em utopias totalizantes, ao mesmo tempo que demonstram que o modelo
ocidental de democracia encontra-se cheio de falhas, essas manifestações servem,
então, como “sintoma de algo”, mas algo que deve ser resolvido dentro do
sistema vigente, os manifestantes não formulam, nem formularam naquela época, as
mudanças, na verdade exigem isso dos políticos contra os quais afirmam lutar.
A
armadilha está ai, no mito do pós-ideológico...
O
Capitalismo é global em extensão e economicamente, mas não na construção de um
sentido ou daquilo que Slavoj Zizek chama de “cartografia cognitiva” (ZIZEK, 2014,
p. 71), que é a capacidade dos indivíduos de, cartograficamente, perceberem o
mundo em sua complexidade sistemática e perceberem-se nessa realidade, isso se
dá pelo excesso de imagens sobrepostas pela simplificação dos sentidos (Consumo,logo sou). Além do mais, o capitalismo vive de uma abstração grosseira, a sua
globalização é um livre trânsito de coisas e investimentos, não livre trânsito
de pessoas, tampouco todos podem usufruir dos benefícios dessa globalização,
existem nações inteiras a margem, cuja única responsabilidade é exportar
matérias primas e fornecer mão de obra baratíssima para empresários de países
desenvolvidos, nesse sentido o capitalismo se vende com uma lógica fria e de um
racionalismo econométrico grosseiro, não importa o impacto social e ecológico
causado pelo capital, o retorno precisa ser garantido, não constarão nos
gráficos das grandes transnacionais as condições de vida dos trabalhadores em
países de terceiro mundo (Em um post futuro explicarei o motivo de eu ainda
usar essa expressão), mas apenas a renda advinda do capital e o “crescimento”.
Logo, o capitalismo se vê platônico, não-ideológico, racionalista e mecânico,
essa fase do capitalismo em que vivemos fortaleceu-se após o fim da Guerra Fria
e a derrocada do “socialismo realmente existente” (HOBSBAWM, 2011, p. 363)
permitiu ao capitalismo um discurso naturalizador de “única forma possível”.
Assim,
em meio a perca de sentido, a violência dos protestos transformam seu “meio em
sua mensagem” (ZIZEK, 2008, p. 73), uma demonstração de impotência, onde não de
veem alternativas de transformações que realmente abalem o sistema vigente, as
pautas focam-se em problemas específicos administráveis pela política burguesa,
os indivíduos que se imagem pós-ideológicos, por sua vez, querem mais espaço no
capitalismo (Representatividade), diluem-se os sentidos, fortalecem-se os
imediatismos. Mas como tornar o capitalismo humano se este vende-se como
abstração e precisa da desigualdade? Como transformar esse sistema que vê nos
movimentos sociais apenas mais um público alvo e procura tirar destes o “recorte
de classes” (LGBTT’S tendo Lady Gaga, Madonna e outras “divas pop” comerciais
como exemplos máximo, quando estas tem pouco ou nada a ver com as vivências e
problemas sociais dos LGBTT’S menos favorecidos economicamente)?
São
perguntas que deveriam incomodar...
Referências
HOBSBAWM,
Eric. A Era dos Extremos, 2ª ed.,
Companhia das Letras, São Paulo, 2011.
ZIZEK,
Slavoj. Violência, 1ª ed., BoiTempo
Editorial, São Paulo, 2014.
LOPES,
Alexandre. Manifestantes de Santos
'deduram' vândalos sentando durante protesto [Online], disponível in <
http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2013/06/manifestantes-de-santos-deduram-vandalos-sentando-durante-protesto.html>
acesso em 19 de fevereiro de 2017.
SUED
Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com
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