Ponto de Referência
Quatro
indivíduos, um deles é pai, está com a filha pequena em seu colo. Estas pessoas
tiraram sua manhã de domingo para participar de uma reunião sobre arte, só
acordar cedo no domingo já é um feito digno de nota, porém, a jornada
automobilística pelas esburacadas ruas do Juazeiro do Norte provou-se uma
Odisseia, onde uma viagem de carro, que deveria durar quinze minutos,
converteu-se em um andar em círculos que se estendeu por cinquenta minutos.
– Como
que acha, se os nomes das ruas estão apagados? – Comenta o motorista,
revoltado. – Olhe só, o nome da rua é “rua”? – Pergunta, irônico, sobre o único
nome que permanece legível nas placas de esquina.
–
Calma, calma. – Pede o que está sentado no banco de passageiro da frente, cuja incumbência
de dar pontos de referência foi mal executada, pois está tão confuso quanto o
motorista.
O
carro é balançado pelo impacto com buracos diversas vezes.
–
Qual o nome da rua? –Pergunta o motorista.
–
Raimundo Coltinho, número 44.
– É
nesse bairro mesmo?
–
Sim.
–
Ele deu algum ponto de referência?
– Sim,
disse que é de frente ao pé de pequi.
– De
frente ao pé de pequi?! – Surpreende-se o motorista.
–
Bem, foi o que ele disse.
–
Mas homem, isso lá é ponto de referência? Eu lá sei de pé de pequi?
–
Foi o ponto de referência que ele me deu.
Passam-se
mais alguns minutos, o carro continua a dobrar as esquinas do labirinto urbano.
–
Quando a gente pede ponto de referência a gente não aceita qualquer coisa não,
homem! – Começa a resmungar o motorista.
–
Mas rapaz, foi o que ele me deu.
– Pé
de pequi? Ele não mora perto de um pé de coentro não? É mais fácil de achar. –
Comenta, irônico, o motorista.
–
Vamos perguntar a alguma pessoa na rua, talvez ajude.
O
carro para ao lado de um senhor que carrega sua bicicleta pelas ruas sem
asfalto.
–
Ei, amigo. – Cumprimenta o motorista.
–
Diga, rapaz. – Responde o senhor.
– O senhor sabe onde é a rua... Qual o nome da rua?
–
Raimundo Coltinho.
–
... Raimundo Coltinho?
–
Ah, sei, é essa rua, descendo, só dobrar a esquina. – Informa o senhor,
direcionando com seus braços.
–
Olha ai. – Comemora o motorista – E a casa de D... sabe onde fica?
–
Quem é esse? – Pergunta o senhor, apoiando-se em sua bicicleta.
– É
um senhor já de idade, gosta de ciclismo.
–
Ah, que se aposentou do banco recentemente?
–
Sim! – Anima-se o motorista, tal qual Odisseu ao avistar Ítaca.
–
Sei quem é, olha, você pode descer a rua... A casa dele é a que
fica de frente ao pé de pequi.
SUED
Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com
Comentários
Postar um comentário