ABOMINÁVEIS FORA MEDROSO DAS NEVES III
Quanto às pessoas de
intelecto,
já que a lei funciona
com precisão,
ela dá liberdade
aos seus usuários.¹
Leitura do cronto pelo autor postado no canal aRTISTA
aRTEIRO:
Pela janela se vê um imenso tapete branco-acinzentado
forrando o piso celestial de Nossa Senhora Aparecida. Dois mil e dezessete não
está sendo um bom ano.
Foto do autor.
Em um vaso em minha varandícula uma folhagem roxa me presenteia
com três flores lilases e... O telefone toca:
- Oi, Professor, tudo bom? Só liguei pra despedir-me
do senhor. Acho muito correto você querer expressar suas opções, claro; muito
digno de atos semelhantes, más dessa vez discordo de seu ponto de vista. Quem é
o professor mais sábio e verdadeiro que já tive? Cadê? O cara que todo mundo achava
diferente? Desculpe, mas ele eliminou toda a admiração que houve da minha
parte. Eu nem sei na verdade o porquê deste telefonema, só quis expressar meus
pensamentos como você mesmo expressou os teus. Eu espero que você cresça muito
em razão seus pensamentos. E agradeço para abrir meus olhos sobre a mente das
outras pessoas! Espero que suba na vida e veja que o mundo é feito de opiniões,
e que todos nós temos o direito de fazermos diferentes escolhas, de errar, consertar
e...
- Com “c” ou com “s” o consertar que falou acima?
- Ah! Tem diferença?
- Tem sim, com “c” é música e com “s” é trabalho. Lembre-se
de “canção” e de “serviço” para saber se é com “c” ou se com “s”. Com “c” de
canção é concerto musical; com “s” de serviço é conserto de algo que estava
estragado, danificado.
- Obrigada, Professor!
- Não tem de quê. Apenas cumpro minha função de
professor: Ensinar! Mas você ia dizendo...
- A sim, todos nós temos o direito de fazermos
diferentes escolhas, de errar e consertar. Assim você vai ver o tanto de
amizades que você perdeu com essa atitude.
- Infelizmente suas palavras depõem contra mim, pois durante
todo o ano letivo passei cerca de quarenta horas no ano passado falando sobre
Literatura. Busquei com toda paixão ensinar a importância da leitura literária;
que a leitura literária gera um crescente: permite-nos pensar, refletir,
filosofar. E por isso é forte proteção para não sermos enganados pelos
discursos de religiosos e políticos. E você, apesar de todos os meus esforços, se
deixa levar por discursos de ódio...
- Mas como eu disse; todo mundo têm o direito de fazer
o que bem quiser. Adeus e... e sucessos!
- Também quero me despedir e para isso faço minhas as
primeiras palavras que me disse. Elas cabem para você também. Boa sorte ao
enfrentar os resultados de suas escolhas. E você, apesar de
todos os meus esforços, se deixa levar por discursos de ódio...
- Ódio... Não compreendo, Professor.
- Discurso de um sujeito que diz
que o nascimento de sua filha é um erro, um fracasso. Pois teve quatro bons
frutos (filhos, homens), mas depois fraquejou e nasceu o erro: a filha. E, como
você, mulher, aceita ser chamada de coisa, de erro? Recuso-me a aceitar que
mulher alguma seja assim tratada; e você aprova? Como? Por quê?
- Boçalnaro nunca falaria uma
coisa dessas.
- Não só falou isso como se refere
aos negros com o termo “arroba”. Sabe o que é isso? É como se mede o peso de
gado e outros produtos de fazenda. Como você pode aceitar que os negros sejam
chamados de coisa, de gado, de bicho? Você me entristece com esse
posicionamento. Você me entristece. Desculpa, mas me decepciona ver uma pessoa
não se importar que os índios sejam exterminados para poder extrair os minérios
nos subterrâneos em suas reservas. Aliás, você nem deve saber o que significa
reserva; reserva é resto; ou seja, de tudo o que eles tinham sobraram apenas
aqueles trocinhos.
- Que isso, Professor...
- Envergonha-me que você não se
importa com o destino dos homoafetivos. “Ah, é bicha. Tem que morrer”. Como
você pode ter um pensamento desses? Ou então, “melhor ter um filho morto, que
um filho bicha...”.
- Não penso assim não, Professor!
- Como não? Quem apoia ou simplesmente
curte algo vindo daquilo pensa em todas essas coisas horríveis e outras mais
que não falei.
- Professor, acho que o senhor não
me entendeu. Eu estava me referindo a sua atitude de pedir para seus amigos o
excluírem. Pois cada um tem o direito de fazer suas escolhas, e se der errado
que a pessoa se ferre sozinha.
- O problema, minha Flor, é que
não se “ferraria” sozinha. Pois levaria consigo todos os demais. Se o Boçalnaro
for eleito acha que somente quem votou nele será prejudicado? E quem apoia
discursos de ódio não merece aprovação. Não é a mesma coisa o relacionamento
entre pessoas de posições diferentes. Pessoa com discurso de ódio não é mero
posicionamento diferente. Discurso de ódio é admissível?
- Não, não é.
- O direito de se expressar não é
dizer: “Bicha boa é bicha morta.”, “Lugar de preto é na senzala.”, “Mulher é –
perdão pelo palavrão – é para comer e jogar fora.”. Então, não, não admito
conviver com bandidos.
- !?!
- E sim, são bandidos. Quem apoia
Mala Faia, Boçalnaro e outros da mesma laia apoia o ódio. E ódio não é
admissível. Não é aceitável. E tem que ser combatido. Passei todo o ano passado
falando sobre a importância de respeitar o diferente... E quem apoia Mala Faia,
Boçalnaro etc. é contra o diferente. E eu luto contra quem luta pela morte. Luto
pela vida para que não haja mais lutos na humanidade. Então eu nunca fui incoerente
em meus discursos. Aquilo que falei nas aulas eu falo agora e pratico. Viva as
diferenças. Viva! Viva a humanidade! Viva! Viva! Viva! E viva a humanidade
composta por heteroafetivos, homoafetivos, homens, mulheres, crianças, jovens, adultos,
idosos. Por negros, brancos, indígenas, eurodescendentes, afrodescendentes, asiodescendentes.
Por deficientes físicos, deficientes mentais... “Normais”; até parece que isto
existe... Rerrê.
- !?!
- Flor, você acha mesmo que os
apoiadores destes monstros que falei dialogam? Não, não dialogam. Só querem um
troquinho para eles enquanto estes monstros ficam com o lucro a custa da
subjugação das mulheres, dos negros etc. NÃO ACEITO. NÃO ACEITO. NÃO ACEITO.
Repito: luto para que não haja mais lutos. Já ouviu falar no poeta espanhol Federico
García Lorca? Foi morto por ser poeta, vermelho e...
- Vermelho?
- Sim, vermelho. Ou seja,
comunista. Foi morto por ser poeta, vermelho e homossexual. E suas obras, além
de lindas, faziam e fazem pensar, refletir, filosofar e...
- E quem pensa, reflete, filosofa.
- Isso. Quem pensa, reflete,
filosofa não se deixa enganar por clérigos nem políticos. E é a literatura que
faz isso. Arte e literatura! Elas têm que fazer pensar, refletir, filosofar
ou então não é arte; não é literatura. Elas têm que incomodar, tirar do lugar
comum, fazer querer mudar de estado ou então não é arte; não é literatura.
¹ TANIGUCHI, Masanobu. Liberdade. Canto em Louvor ao Bodisatva que Reflete os Sons do Mundo. Hokuto:
Seicho-No-Ie. 2017.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve ao Ad
Substantiam semanalmente às quintas-feiras; e todo domingo no seu blog
literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor
de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É
pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na
Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e
Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso
Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura
Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da
Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de
Leitura”. É, por segunda gestão, Secretário da ASSABI – Associação de Amigos da
Biblioteca Pública Zumbi dos Palmares (Ipatinga MG). Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura). Foto tirada por Vinícius Siman.
Escrito na tarde de 15 de abril de 2017; e trabalhado entre
os dias 28 de setembro e 12 de outubro do mesmo ano.
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