Quando venceram as humanidades...



Eu entrei na faculdade com muitas ambições que me parecem hoje excessivamente distantes, sempre almejei o doutorado e lecionar em universidades, mas duas coisas me incomodam bastante: O fim do financiamento para educação continuada e a inércia dos historiadores para com o desmonte que a área de humanas vem sofrendo no Brasil.
Haverá disciplina de História no Brasil daqui à dez anos? Haverão professores nas escolas ensinando esta ciência ou ela se tornará uma curiosidade para ser explorada por escritores? Eu terei emprego no futuro? Não sei, mas acho sinceramente que não.
Me surpreende a falta de preocupação dos historiadores do Brasil com a clara desvalorização que se acentuou de uns dois anos pra cá sobre a área de humanas com os estereótipos negativos vinculados a ela que nós, em vez de combater, deles ríamos. Aos poucos, sem perceber, como uma cobra que espreita, nossa relevância ia se destruindo no senso comum e, diante das piadas patéticas que fazíamos de nós mesmos, o público começou a perguntar-se, muito justificadamente: Para que eles servem, afinal? Estamos pagando para isso?
Tal desvalorização foi seguida do descrédito e, posteriormente, quase que como uma consequência natural, da culpabilização: “Eles são os responsáveis por a educação brasileira ser tão ruim, esses vagabundos”. Ora, o que reverberava entre os reacionários senão aquilo que dizíamos de nós mesmos em nossas piadas pejorativas sobre nossa área do conhecimento em nossas piadas infames, feitas sem preocupação com a opinião pública? Será que nós mesmos realmente vemos utilidade na História ou relevância em sua existência? Ou só queremos um diplominha de pergaminho? Não estou dizendo que toda a culpa é nossa, mas sim, nós tomamos parte dela e somos grandemente responsáveis por, em vez de desmentir, fomentarmos.
Nesse momento os tecnicistas, as tendências pedagógicas mais violentamente liberais, que já miravam nas horas aulas em que nós, da forma que podíamos, procurávamos fazer com que os alunos se percebessem, a partir de seu lugar, na sociedade em que vivem, aproveitaram. Passaram a fomentar a percepção do senso comum, que se transformou em movimento. Apareceram as acusações de doutrinação que criaram uma histeria coletiva contra a qual não se pode argumentar devido a sua natureza conspiracionista que, em essência, é inventora de provas, elemento que abre espaço para os "guia politicamente incorreto" da vida que defendem que os historiadores "esconderam" algo e que são emburrecedores.
Por fim, o golpe final em nossas cabeças, aquele velho debate sobre para que o ensino médio deveria servir finalmente teve um vencedor, que aproveitou muito bem o contexto instaurado no país. O foco deveria ser maior na construção da independência intelectual ou no desenvolvimento de indivíduos voltados ao trabalho entendido apenas em seu sentido capitalista? Venceu a segunda, que “busca a formação de um novo homem, capaz de viver pacificamente em uma sociedade desigual” (BRUEL, 2012, p. 191). A reforma do ensino médio, feita de forma autoritária por um governo golpista e sob medida dos interesses do grande capital, consolida essa visão de educação que ensina os jovens a se adaptarem aos interesses do mercado e a não chocarem-se com as gritantes desigualdades.
As ciências humanas procuram entender a sociedade e os indivíduos que nela nascem e que com ela interagem de forma dialética em sua natureza ontológica, em suas conexões internas e suas contradições em todos os seus níveis. Estudar História fornece aos sujeitos ferramentas para que entendam a realidade em que vivem e se reconhecerem em seu lugar nesta sociedade. A exclusão dessas disciplinas tira da escola a obrigação de construção intelectual, passa a fomentar a alienação do sentido e uma percepção da ciência como algo puramente instrumental, algo que:

“não se esforça para descobrir com seus métodos cada vez mais aperfeiçoados essas novas verdades, que necessariamente são fundadas também em termos ontológicos e que aprofundam e multiplicam os conhecimentos ontológicos, então sua atividade se reduz, em última análise, a sustentar a práxis no sentido imediato (...) transforma-se numa manipulação dos fatos que interessam aos homens na prática.” (Lukács, 2012, p. 47)


Na escola firmada sobre uma práxis imediatista, o ideal de mudança, de transformação da sociedade, fica excluído, torna-se um ideal vazio, entendido como sinônimo de sucesso individual em sentido estreito, firmador do centralismo social do trabalho em sentido capitalista. Nesse conceito de educação que triunfa a cada dia no Brasil sob nosso olhar pasmo. Mas o que esperar? O Estado defende os interesses burgueses de forma estrutural, esperar que o Estado lance bombas contra sua própria estrutura é nonsense, ainda assim, nesse contexto, seria possível diminuir de forma paliativa as desigualdades, mas, para isso, é preciso que os sujeitos se entendam em seus lugares de oprimidos e não como responsáveis por sua própria miséria, como prega a tosca retórica meritocrática. 

Bibliografia:


BRUEL, Ana Lorena de Oliveira. Políticas e Legislação da educação básica no Brasil, 1ª ed. Editora Intersaberes, Curitiba, 2012.
LUKÁCS, Gyorgy. Para uma ontologia do ser social I, 1ª ed. Boitempo Editorial, São Paulo, 2012.

SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo dois livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com





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