As perguntas fundamentais para a História




Em nossa mente o tempo parece muito linear, como um filme, com começo, meio e fim. Mas, em nossa percepção individual, como se compreendem o começo, o meio e o fim? Bem, é simples: Em nossa “carreira” de vida, nosso nascimento, nosso crescimento e nossa morte, ou, ao menos, nossa perspectiva de morte certa. Tudo muito fechado, redondinho. A retórica secular cuidou de tornar tudo ainda mais incerto (O que foi bom, de meu ponto de vista ateísta materialista), tornando nebulosa a possibilidade de um pós vida até para os mais crentes... A vida nunca pareceu tão curta, tão fadada ao fracasso.
O tempo presente, porém, é dotado de uma especificidade dentro deste modo de ver as coisas, é onde vemos o embate, onde temos a dimensão do ato, antes que este se torne, em termos kierkegaardianos: autodestruição impotente, onde o “presente constantemente se desvanece em passado real” (KIERKEGAARD, 2001, p. 22), neste quadro desesperador, em que os indivíduos sofrem o passar do tempo, o presente aparece como espaço de possibilidade, de sentir constante esse sofrer, portanto, é fácil ater-se apenas a este “sofrer” individualizado da percepção pessoal do passar do tempo.
O pessimismo que encorpa estes dois primeiros parágrafos não deve ser visto de forma desanimadora, muito pelo contrário, deve instigar: Há algo para além desta percepção? Sim, a percepção de que o indivíduo não existe apenas neste sofrimento, que a apreensão desse passar do tempo não é algo abstrato, apenas interiorizado (E o é, mas apenas na percepção do próprio indivíduo), a própria apreensão deste passar do tempo só existe na relação do indivíduo com os objetos exteriores a ele, Marx, em seus manuscritos econômicos filosóficos de 1844 conseguiu elencar tais elementos muito bem:
Ser objetivo, natural, sensível e simultaneamente ter fora de si o objeto, a natureza, o sentido para uma terceira pessoa, é a mesma coisa. A fome é uma necessidade natural; portanto, requer uma natureza fora de si, um objeto fora de si, de maneira a satisfazer-se e a acalmar. (MARX, 2001, p. 182).

Nós só existimos em relação as coisas, assim como todos os elementos que constituem aquilo que pode ser definido como “eu”, de suas características mais objetivas às mais subjetivas. Nossa vida não é, jamais, apenas “nossa” vida, falando sociologicamente, estamos inseridos em uma teia de relações que antecedem nossa existência, um tema jamais é apenas “um tema”, é um tema em uma relação com outros temas, conceitos e contexto. Um elemento sociocultural não pode, jamais, ser analisado isoladamente, nada existe isoladamente, mas apenas em relação com as coisas. O próprio indivíduo, só sofre o passar do tempo, por estar em relação com elementos que o possibilitem a percepção do próprio passar do tempo, só é ‘indivíduo” enquanto indivíduo inserido em sociedade, o que lhe confere a individualidade é a sua relação dialética com o mundo ao seu redor.
Qual a estrutura destas relações, como se dão, como se formam? Se nos antecederam, qual sua gênese, seu processo de desenvolvimento? Como nos constituímos dialeticamente enquanto indivíduos nestas relações (E sempre nestas relações)? Por que estas relações se dão desta forma em nossa época de vida? Onde me encontro nestas relações? Quais as complexidades e os níveis destas relações? Eis as perguntas fundamentais da História enquanto ciência. Sendo o presente o lugar onde temos a dimensão do ato e este estando, a todo momento, transformando-se em “passado real”, “autodestruição impotente”, “tempo sofrido” e sendo nós sujeitos que só existem em relação dialética com o mundo que nos rodeia, a definição de Eric Hobsbawm (2010, p. 22) sobre o problema principal para os historiadores é apropriadíssima:
O passado é, portanto, uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O problema para os historiadores é analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade e localizar suas mudanças e transformações.

Assim, a História é relevantíssima para dar aos sujeitos as ferramentas para se perceberem na totalidade do meio social, para se localizarem neste emaranhado de relações, fornecendo os elementos para a construção de uma cartografia cognitiva, dando-lhes a capacidade de entender cada aspecto de forma sistêmica, de forma que a tentação do imediatismo da percepção de que a História começou consigo e gira em torno de si possa se dissipar.



HOBSBAWM, Eric. Sobre História. 2ª ed. Companhia das Letras, São Paulo, 2010.
KIERKEGAARD, Søren. O Desespero Humano. 1ª ed. Martin Claret, São Paulo, 2001.
MARX. Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. 1ª ed. Martin Claret, São Paulo, 2001.





SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com







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