Schelling e Dante versus Marx?




Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1770-1831) foi um filósofo alemão que, ao lado de seu xará Georg Wilhelm Friedrich Hegel, desenvolveram um movimento intelectual que teria profundo impacto na história ocidental pelos anos seguintes, o idealismo. Menos famoso do que Hegel e com um sistema filosófico um tanto quanto mais limitado, por não conter com tanta força o elemento dialético, Schelling teve sua importância e, sem ele, Hegel não teria conseguido chegar a várias conclusões que, décadas depois, viriam a ser desembocadas por Karl Marx para quem tais conclusões eram úteis, mas estavam de cabeça para baixo.

A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede em absoluto que ele tenha sido o primeiro a expor, de modo amplo e consciente, suas formas gerais de movimento. Nele, ela se encontra de cabeça para baixo. É preciso desvirá-la, a fim de descobrir o cerne racional dentro do invólucro místico. (MARX, 2013, p. 91)

Esse texto tem três objetivos específicos: 1) Analisar a filosofia de Schelling em termos gerais; 2) Perceber como ela aparece, de alguma forma, em sua versão desembocada, na filosofia materialista; 3) Entender como o autor utiliza a divina comédia como exemplo didático de sua filosofia e como precursora dos conflitos da modernidade.

“Toda ideia é um particular que, como tal, é absoluto; a absolutez é sempre uma, assim como a sujeito-objetividade dessa absolutez e sua própria identidade; somente o modo como a absolutez na ideia é sujeito-objeto faz a distinção” (SCHELLING, 1984, p. 51)

Para Schelling todas as coisas e ideias são manifestações do absoluto, que só pode apresentar-se como absoluto. A filosofia seria, portanto, a ciência do absoluto, que procura as conexões de todos os elementos e todas as ciências existentes com esse ente originário. O estudioso deve ter sempre em mente, para esse filósofo alemão, que todas as coisas carregam em si o absoluto e devem procurar a harmonia universal entre essas coisas. A esta categoria chamou de exposição universal.
Religar estes objetos da natureza e das ideias é a função da ciência para Schelling. Só podemos, em sua visão, acessar o real através do ideal, que gera nosso entendimento, assim o ideal, a percepção do absoluto é o que determina a filosofia do conhecimento de Schelling, que é teológica.
Mas onde entra a Divina Comédia nisso tudo?

Pois, assim como o mundo antigo era, universalmente, o mundo dos gêneros, o mundo moderno é dos indivíduos: ali o universal é verdadeiramente o particular, a espécie atua como indivíduo, aqui, ao inverso, o ponto de partida é a particularidade, que deve tornar-se universalidade (SCHELLING, 1984, p. 62)

No Dante eu-lírico, Schelling vê o exemplo maior, na arte, tanto do conflito existencial da modernidade, como de explicação didática da filosofia que propõe. O humano (Dante eu-lírico) desprendido dos sistemas cosmológicos que o colocavam no centro do universo, procura seu lugar na universalidade. É certo, reconhece Schelling, que o Dante autor estava preso a sua época, porém, sua busca por Beatriz representa outra coisa na análise Schellingiana, Beatriz seria a teologia que guia o ser humano perdido entre a terra em que tudo é contraditório e o local em que tudo ser harmoniza – O paraíso. Assim, Beatriz é aquilo sem o qual o real é inalcançável, o ideal.
Assim, na Divina Comédia, Schelling vê um exemplo da filosofia que prega: O universal no particular e o particular sendo, pela teologia, sendo reatado ao universal absoluto do qual é manifestação.
Obviamente, aqui entrando em Marx,  não devemos olhar para a realidade acreditando em nexos teológicos entre as coisas, imputando ao mundo nossas ideias, conectando as coisas em uma narrativa e procurando nelas formas de as ligar ao que acreditamos. Fazer isso é levar criar um espantalho da própria realidade analisada, fazer a analise analisar somente a si mesma, como brincam Marx e Engels:

“A crítica absoluta, ao retornar a seu ponto de partida, findou seu ciclo especulativo e com ele sua trajetória de vida. Seu movimento posterior é apenas um puro movimento circular em torno de si mesma, elevado bem além de todo o interesse massivo, e já não tem mais, portanto, o menos interesse para a massa”. (MARX, ENGELS, 2003, p. 163)


Porém, todos os elementos da realidade social estão sim ligados na dinâmica do movimento sociocultural, uma questão está sempre ligada a outra de alguma forma, haja visto que, historicamente, as coisas não se dão separadamente, mas em relação a outras, não pode existir X sem as condições materiais construídas por Y (Exemplo: É impossível entender o racismo sem levar em conta elementos econômicos, históricos, visões de mundo religiosas e científicas). É impossível isolar um problema social, é preciso localiza-lo em relação a uma totalidade de relações sociais e culturais. Logo, não devemos perceber o absoluto universal nas coisas, mas sim perceber as coisas, com suas especificidades, numa realidade social (Que embora não absoluta, é hegemônica). De forma alguma essa realidade é harmoniosa, é repleta de contradições, continuidades e descontinuidades que devemos levar em conta em nossas análises, nesse sentido, Schelling estava “de cabeça para baixo”, tendo em vista que, além do que já foi dito nas linhas acima, as coisas são percebidas como contraditórias, mas se harmonizam a medida que se aproximam do absoluto, nas análises materialistas histórico-dialéticas a coisa vai em um sentido oposto, parecem harmoniosas, mas a medida que são percebidas na totalidade do meio social, revelam-se contraditórias.

Bibliografia
MARX, Karl; ENGELS,  Friedrich. A Sagrada Família ou a crítica da crítica crítica contra Bruno Bauer e seus consortes. 1ª ed. Boitempo editorial, São Paulo, 2003.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política, livro I. 1ª ed. Boitempo Editorial, São Paulo, 2013.
SCHELLING, Friedrich Von. Exposição da Ideia Universal In TORRES, Rubens Rodrigues (Org) Obras Escolhidas, série Os pensadores, Abril Cultural, Editora Abril, São Paulo, 1984.
SCHELLING, Friedrich Von. A Divina Comédia e a Filosofia In TORRES, Rubens Rodrigues (Org) Obras Escolhidas, série Os pensadores, Abril Cultural, Editora Abril, São Paulo, 1984.



SUED

Nome artístico de Línik Sued Carvalho da Mota, é romancista, novelista, cronista e contista, tendo três livros publicados, também é graduanda em História pela Universidade Regional do Cariri. Militante comunista, acredita no radicalismo das lutas e no estudo profundo de política, sociologia, História e economia como essenciais para uma militância útil.
Escreve ao Ad Substantiam semanalmente às segundas-feiras.
Contato: lscarvalho160@gmail.com







Comentários

Postagens mais visitadas